Esta lembrei-me por me ter lembrado da outra.
Já não me lembro que idade teria eu e a Carlota Joaquina, uns 16? 17? Os prédios onde morávamos eram quase porta com porta e certa tarde logo a seguir ao almoço toca-me ela à campaínha muito aflita:
- Tens que ir a minha casa quando o meu pai for embora!
- O que se passou?
- Tens que ir tirar o D. do armário!
- O quê?
- Tens que lá ir!!
- Eu vou!
E lá fiquei eu numa agitação brutal. Sempre à janela a ver quando é que o pai dela saía de casa para o trabalho. Assim que o pai dela se pirou peguei nas chaves de casa dela e lá fui.
Entro no prédio dela e imaginava o cenário Psico-ano que estaria a casa dela. Eu imaginava sangue por todo o lado. Eu imaginava o D. todo esventrado e polícia e ... bem, filmes a mais. Mas convenhamos: ir a casa de alguém salvar outro alguém não é propriamente normal, né?
Conforme meto a chave à porta tudo silencioso e calmo.
Receio. Receio de quê? Sei lá, receio!
Entro em casa, tudo arrumado. Que sensação horrível a de estar a entrar em casa de alguém assim. Parecia que estava a invadir o sossego daquela casa, ainda que estivesse a andar em pézinhos de lã e não tivesse emitido um som.
Espreitei tudo. Tudo calmo, quieto. Meia luz, temperatura amena, nada de cenários dantescos.
Entro no quarto dela, pezinhos de lã, e tudo calmo... uma calma e serenidade medonhas...
Bato numa porta do armário, nada. Bato noutra, nada, bato noutra, nada. Chego à última e em vez de bater abro.
Ai cada vez que me lembro só me dá vontade de rir: o D. sentado de joelhos contra o peito e cabeça enfiada entre eles, mãos em volta da cabça, uma posição totalmente protectora para alguém completamente vulnerável.
Disse-lhe: podes sair. Mas o rapaz estava tão em pânico que acho que nem ouviu. Nem quis beber água nem nada, só queria sair lá de casa. Combinámos sair à vez para ninguém ver que íamos juntos, não fossem desconfiar, certo?
Pobre D.!